
de onde vem essas comemorações
que tentam preencher vazios
e recuperar memórias
relembrar ações
e homenagear quem as comete?
quem hoje em dia ainda considera um poeta
alguém que deva merecer menção honrosa
diante de tanta gente que opera coisas reais
como teclados que acionam números
decretam a vida ou a morte ou a morte em vida?
na avalanche de necessidades óbvias
e outras inventadas mais atraentes e insinceras
o que levaria a uma pessoa elogiar
um ser que desvia pensamentos para além
do querer sobreviver?
bendizer um intruso que transcende as horas
que não caminha com as hordas
pária entre os vivos
renegado entre os mortos?
as coisas são o que são
mas o que são as coisas que não são?
quem busca saber o que não é
ainda que seja mais belamente imperfeito?
por que a matemática da existência residiria na datação
do nascimento o dia da formatura o do casamento
do infarto do infausto da morte marcada?
quem vai mais adiante ou mais profundamente
para o que não postulamos como matéria digna
de nota e notação?
por que há malditos que procuram a benção
no que não é possível ou explicável
a falta em vez da sensaboria de estar em homeostase?
o poeta é um bendito – aquele maldito disfarçado de anjo –
demônio onde busca a dor da palavra ausente
contra a paz do verbo inatacável
poesia está em tudo e prová-la
é um veneno insidioso que questiona idades
e corporações
grupos do bom senso e defensores da exiguidade
seja firme mate para defender sua estupidez
resista à exploração de sua grandeza
não o queremos questionador mas conformista
mais do que acumulador um estoquista
tudo o que ganhar o fará perder a sensibilidade
porém será plenamente útil
não diga sim às diferenças e às muitas identidades
permaneça na linha reta do que é torto e abissal
queira a felicidade da ignorância e da dubiedade
rejeite totalmente a multiplicidade
compre a esperança em cada algo que adquira
sinta-se simplificado moldado e pacificado
mesmo que não se perceba pacífico
não atormente a sua alma com dúvidas
não veja a beleza da flor
não almeje a libertação da dor
apenas porque nada está bem não queira saber
olhe no espelho e se diga lindo feito dorian gray
recolha seu retrato antigo para que engane
a si mesmo que com o novo filtro está melhor
filtre toda a palavra que lhe cause hesitação
incerteza ou estranheza
viva à espera da nova estação
cada vez menos desejada porque a velhice
de espírito lhe abateu aparou arestas
e finalmente ambicionará a morte como o maior bem
não leia até o final estas linhas escritas
por um bendito maldito que apenas quer lhe causar o mal
da insatisfação que nunca será saciada.