Habito São Paulo. E São Paulo habita em mim. É um hábito. Maneira de se comportar e vestimenta. É personagem. Amiga controversa. Versão e contravenção. Mil estações (no mesmo dia). Temperaturas diversas. Temperamental. Rebelde. É aço e algodão. Passeio e trabalho. Muito trabalho. Trabalhosa.
Há cidadãos que conversam com ela. Sou um deles. Quase não obtenho resposta às perguntas que faço. Mas insisto em entendê-la. Talvez não seja o caso… Talvez seja um acaso viver aqui. Aqui ter nascido, filho de imigrantes, vindos de pontos diferentes do planeta. Talvez, destino operado pela conjunção astral, movimento das marés ou o caminho do mar – única saída para muitos… Vieram dar aqui. Nasci São Paulo.
Sou a cidade. Somos. Todos que a atravessam, feitos adagas na caixa do mágico, são São Paulo. A compomos. Possuídos, a possuímos. Filme de terror de Sessão da Tarde. À noite, renascemos. Amanhecemos para trabalhar. Somos transportados feito gado. Festejamos o suor e a chuva inesperada com praguejas. O sol é inclemente para quem não permanece nas ilhas de sombra e frio. E reclamam. Preferem o ar condicionado. São Paulo adora o artificial. Cria paredes pintadas de verde, a simular o verde que perdeu.
Seu rio já morreu. Dizem que renascerá. Eu não verei. Como não verei o Centrão revitalizado, os antigos prédios restaurados. As ruas como passeios e não como moradas. Das praças como lugar de lazer saudável, não usufruirei. Contudo, também sou essa São Paulo necrosada. Sou como mosca, a voar em torno de corpos putrefatos, habitações que cercam solidões. E reproduzo. Mosquinhas que amam lamber de seu corpo em (de)composição. Veias-asfaltos expostas a seringas de borracha. Vício em cheiro de gasolina. Som de buzinas, arrancadas e freadas. Hip-Hop e Bolero.
Dia 25 de Janeiro, São Paulo completa mais um aniversário. Como Roma, o seu nascimento foi mítico. Os entes eram outros, porém. Há 464 anos, originais da terra e jesuítas de nacionalidades diversas se reuniram para sagrarem uma celebração mística em nome do mais improvável Apóstolo, dando início a uma jornada que ameaçou ser abortada tantas vezes, mas que se fortaleceu à cada episódio. Homens estranhos e estrangeiros naquele dia sacramentaram o nosso destino séculos antes de existirmos. Seres humanos foram oferecidos em sacrifícios de sangue e café. Esta cidade veio a forjar cidadãos mestiços que invadiram as entranhas do País em busca de sonhos fátuos e, no entanto, grandes o suficiente para gerarem uma Nação.
Comemorarei ser São Paulo. Porque não resta alternativa a não ser não ser. E outra coisa, não quero ser.
Seu texto, como a cidade que homenageia, é intenso, belo e instigante. Gosto do modo como nos aproxima do seu olhar sobre a cidade. Seu olhar, mas de muitos outros também. Palavras que se oferecem num ritmo que sugere acolhimento. Essa cidade, tão diversa, carrega um mundo de mundos. Todas as vezes em que nela estive, fui engolida no melhor dos sentidos. Parabéns, Sampa!
A cidade realmente nos engole, Maria! Sobreviventes, somos regugirtados melhorados.
Sou a cidade. Somos… São Paulo colossal… Artificial… necrosada… Seu texto é poético e forte. Parabéns São Paulo… abraços
Gracias, Bia! Precisamos de mais abraços!