
Esta carta não será enviada às mãos a quem é de direito. De antemão, sei que será impossível. Por trama do Destino ou desígnios da Deusa Lua, com a qual flerto com o lado escuro, estas palavras não chegarão a sua destinatária. Portanto, posso fazer confissões protegido dos olhos de quem não as lerá…
Começo por declarar que sim – eu a amo. Sei que também me ama. É um amor impuro – seria de outra maneira se permitíssemos jogarmos-nos em nós, se nos atirássemos do alto de nossos medos, enfrentássemos as nossas resistências. Mas, não. Estamos separados pela fidelidade. Somos fiéis aos nossos companheiros, infiéis aos nossos sentimentos. Estamos a perder a chance de nos sujarmos de prazer. Ganhamos a constância da sensaboria, no entanto, sem a limpidez da consciência.
Quando nos encontramos, envergamos sorrisos tímidos. Ladeados por nossos pares, lutamos contra a força magnética que nos impulsiona um a favor do outro, contra nossas vontades. Beijos protocolares nos rostos, roçar de peles que se pudessem ser visualizadas de perto testemunhariam pelos eriçados a se tocarem invisivelmente ponto a ponto. Por milésimos de segundo, sentimos dissolver nossos corpos um no outro.
Como para nós nosso amor pareça ser tão óbvio, tentamos passar tanta naturalidade quanto se a nossa vida dependesse disso. Sei que, como eu, idealiza fugir de tudo e de todos, da mesma forma que nos arrependemos, imediatamente após, daquele futuro imaginário em que ficaríamos sem nossas famílias, nossas casas e nossos amigos.
Sabemos de conhecidos que são amantes, que se divertem despreocupados com os seus desejos atendidos em momentos fugidios, em hora de almoço ou expedientes estendidos. Mas não seríamos nós, que nos sabemos amadores. Amamos nossos companheiros, nossa vidinha vulgar, nossas rotinas de férias programadas… Somos covardes?… Ou apenas sensatos mentirosos?… Provavelmente, um resumo de tudo isso.
Alguns diriam que isso não é amor. Que é somente vontade da carne, como o desejo de ir a uma temakeria de vez em outra – variar de sabor, sentir o gosto do proibido. Sei que não é simplesmente isso porque, se soubesse que morreria amanhã ou se soubesse que você partiria em hora marcada, seria ao seu lado que desejaria estar. Talvez, até partíssemos juntos, mártires da banalidade moral…
Projeto Scenarium 6 Missivas | Setembro – 18
Adriana Aneli| Maria Vitória | Mariana Gouveia | Lunna Guedes
Uma carta-crônica, que não se escreve, quase fala. Que não chega, mas parte.
Parte e retorna, como possibilidade de comunicação que consome , mas não se consuma. Um tanto triste, não?
Por que “precisamos” nos proteger do amor? Será possível que amando tão intensamente consigamos nos esconder sob a esteira da sensatez? Tão interessante pensar que um turbilhão de sentimentos e emoções pode estar explodindo dentro da gente e que escolhamos arrefecer… Linda carta!