A Vida-Morte

VIDA-MORTE
Izadora, André, Amanda, Marllonn e Rosa Flor, jovens que desapareceram numa viagem do Espírito Santo à Bahia.

Sempre pensei na vida e, por conseguinte, na morte. Ainda jovenzinho, quando deveria nada fazer a não ser a me preocupar com a próxima brincadeira, a morte de meu tio José aos meus cinco anos, me impressionou o suficiente para começar a refletir sobre aquele fenômeno. O cortejo de pessoas tristes que cercaram o seu caixão, o choro compulsivo da minha mãe que mantinha algumas diferenças com o marido da sua irmã, os abraços respeitosos daqueles que afluíram a casa dele, como era costume à época, emolduraram para sempre o significado do que era morrer para mim. Desde então, me deparei com a perplexidade diante desse fato inconteste de nossa existência – morremos.

A questão da perenidade e a vontade de viver para sempre foram pouco a pouco, no decorrer da minha vida, transmutando-se em desejo de entender a morte pessoal e coletiva. Compreendi que morrerei fisicamente daqui a pouco, mas também descobri que a espécie humana, que é um fenômeno recente na Terra, considerando-se que o nosso planeta tem bilhões de anos e este veículo espacial em que viajamos um dia será abalroado pela explosão da estrela que lhe trouxe à luz, perecerá junto com ele, a não ser que consiga alcançar outros lugares.

O passamento da minha mãe foi um capítulo importante no desenvolvimento da minha compreensão da morte, ou segundo prefiro acreditar, da mudança de estado vital ou dimensional. Sou um livre-pensador e procuro não excluir nenhuma visão filosófica e/ou religiosa em relação à vida-morte. Isto me dá a liberdade de me perfilar lado a lado a miríades de posições em relação ao tema, formando um conjunto de idéias que me levaria ao fogo alguns séculos antes. A minha “intuição” a respeito disso ganhou maior  expressividade quando, no momento de maior angústia, sonhei com a Dona Madalena, linda e calma, me dizendo para eu ficar tranquilo, completando com um sorriso ao final – “Estou em paz!”… Se essa foi uma manifestação de ordem psicológica ou de outra natureza, o fato concreto foi o efeito que aquela “conversa” teve sobre mim, me deixando, também, em paz.

No noticiário de hoje vimos a informação da morte trágica de cinco jovens na Br-101*, que liga o Espírito Santo à Bahia, onde iriam comemorar o aniversário da mãe de um deles, que está tendo ampla repercussão pelas circunstâncias que envolveram o episódio – a idade e a beleza dos jovens, o desaparecimento inicial, as hipóteses que surgiram (todas baseadas na maldade humana), as informações desencontradas e, finalmente, o encontro dos corpos, vitimados por um violento, mas prosaico, acidente naquela estrada perigosa. Na mesma área, ontem, ocorreu outro acidente que vitimou outras quatro pessoas cujas mortes passarão relativamente anônimas, a não ser pelas pessoas próximas a elas, em relação aos cinco viajantes vindos de São Mateus.

O resgaste dos corpos foi acompanhado de perto, bem como será a desventura dos parentes no ato de reconhecimento, do velório e do sepultamento. Mortes, discretas ou espetaculares, sucedem-se aos borbotões e o planeta superpopuloso acaba por predispor cada vez mais notícias de desenlaces coletivos, se bem que os individuais estranhamente podem vir a se sobrepor algumas vezes aos maiores, mas anônimos.

Hoje de manhã, o meu ônibus parou em um semáforo pouco antes de eu descer. Pela janela da porta em frente a qual me posicionava, vi uma mariposa quase da cor do asfalto, nele se debater. Já não tinha forças para alçar voo e certamente dali a alguns instantes as suas tênues fibras repousariam amalgamadas junto ao piso pela força da borracha de algum pneu de carro. O coletivo partiu carregando as pessoas aos seus compromissos, locais de trabalhos e eu a minha faculdade, antes que eu pudesse observar mais este cessar de ânimo a provar a precariedade da vida.

*25 de Abril de 2012

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