O meu pai sempre disse que o golpe de 31 de Março de 1964, na verdade ocorreu no dia seguinte —1º de Abril. Como não havia chance de comprovação, devido à falta de informações confiáveis, por falseamento de documentações, eu simplesmente acreditei porque, muito jovem, achava que meu pai não mentia. Obviamente, com o tempo, percebi que não apenas que ele mentia como seus sonhos de revolução à esquerda cederam ao peso da realidade de um projeto malfadado tanto ideológica quanto materialmente, vilipendiado que foi com a chegada ao poder do partido que ajudou a fundar.
Mas vez ou outra ouvia, aqui e ali, que o que os golpistas chamaram de Revolução de 64, se deu realmente no dia seguinte. Os documentos foram se acumulando, principalmente resultantes de relatos diretos, com o encadeamento par-e-passo dos fatos que levaram os militares ao poder. Definitivamente, o momento em que o Presidente João Goulart deixou Brasília, na noite do dia 1º de Abril, rumo a Porto Alegre consagra a sua deposição. Apesar de haver alguma movimentação no dia anterior, apenas a tomada do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, na manhã de 1º de Abril, deve ser dado como o marco inicial do golpe. Fonte insuspeita, o velho General Cordeiro de Farias, anotou: “A verdade — é triste dizer — é que o Exército dormiu janguista no dia 31 de Março. E acordou ‘revolucionário’ no dia 1º de Abril”.
Documentos apresentados posteriormente, outorgaram a data de dia 31 de Março como o da deposição de João Goulart. O que é interessante é essa ojeriza ao 1º de Abril como o da “Revolução” porque não quisessem sua vinculação ao “Dia da Mentira”. Reveladoramente, os arquitetos do golpe temiam que o movimento de rejeição à política janista carregasse a pecha de falsidade ou engodo. Porém, apesar desse primeiro embuste quanto a alteração da data, o que ocorreu depois, não foi mentira. Com o tempo, o regime de exceção instalado, perseguiu, prendeu, torturou e matou ou fez desaparecer os seus opositores, principalmente a partir do AI-5 de 1968. Até 1985, o movimento que anunciou ter surgido para pacificar o País, de fato o submeteu a 21 anos de cabresto, violência e corrupção ocultada pelo controle dos meios de comunicação.
Infelizmente, passados 35 anos desde então, vemos crescer a insanidade que coloca a Ditadura Militar como a salvação do Brasil. É um pesadelo daqueles que parece não conseguirmos acordar. Como se não pudéssemos construir uma sociedade que não prescinda de supervisão armada. Como se essa parcela armada e fardada da população seja um repositório moral indiscutível de brasileiros. Certamente, apenas desvairados, oportunistas ou desvairados oportunistas possam desejar que voltemos a cenários passadistas e atuações antiquadas, sem aplausos e sucesso.
Referências: Blog do Mário Guimarães
Adriana Aneli – Alê Helga – Claudia Leonardi – Darlene Regina
Mariana Gouveia – Lunna Guedes / Roseli Pedroso
Obdulio, meu TCC foi sobre a censura em livros, editoras e bibliotecas. O tanto de textos e livros que li na epoca, me deixaram de cabelo em pé. E hoje, vivenciando todo esse movimento do retorno dessa “turma”, perco literalmente a respiração. Triste demais ver nosso país se afundando em um mar de ignorância, corrupção e mortes. Também estou participando. Abraço
https://sacudindoasideias.wordpress.com/2021/04/01/b-e-d-a-enquanto-a-escrita-nao-flui/
Roseli, mais do que documentos, vivi na pele os reflexos da perseguição a meu pai. Tristeza sem fim!
Imagino a barra que deve ter sido. Muito triste mesmo essa situação querendo retornar.
Eu não sou uma pessoa ligada a datas e não acho que essa em especial tenha alguma validade. Tudo o que houve no Brasil durante o tempo de chumbo tem importância e deveria ser usado para evitar que certos erros se repetissem. No entanto, é um combinado de fatos atrapalhados que permite diferentes narrativas a respeito de um mesmo fato. Nem a ficção seria capaz de tamanha falta de criatividade. rs
Meu pai também viveu esses horrores e tem tanta história pra contar sobre. Mas o medo é real. Abraço
Que tempos malucos vivemos
Ótimo post
Tantos sofrimentos e parece que muitos não aprenderam a lição…
E aqui estamos em mais um BEDA, que bom 🙂
Beijos
Claudia
Tenho medo dessa época que, embora não vivenciada por mim, deixou tantas marcas tristes, indeléveis.
É difícil manter a cabeça erguida e a esperança quando vejo pessoas defendendo essa estupidez como solução.
Um abraço!