
FASES
Quando jovem, escrevi:
“Pelo buraco que sou eu
Passam luzes, sons
E pessoas calçadas…
Ah! Quem teria a sinceridade
De passar por mim descalço?”
Agora, jovem há mais tempo,
Me pergunto se aguentaria uma relação
com tanta franqueza assim…
INTRUSO
Um dia, em direção ao Mont Blanc de Campos de Jordão de dez anos atrás, fotografei uma das belas casas da área. Quando revelei a foto, um elemento humano, bem ao canto, desequilibrou a harmonia austera da paisagem concreta. O que fazia aquele menino, posicionado para a foto de alguém que passasse naquele horário deserto?
VISTORIA
Amanhece e a Lua
como uma pequena mancha pontua
o tecido azulado
Borrão luminoso a ser prontamente varrido
pela poluição antes
e pelo Sol, logo mais.
PERA
A pera sobre a pedra preta.
Esfericidade ferida à espera de ser absorvida.
A ideia de fruta madura torna-se absoluto conceito alimentar.
A BOMBA
Pelas ondas do rádio recebemos por uma última vez as notícias que todos nós temíamos ouvir: ondas de radiação mortal propagavam-se desde o epicentro da explosão ao norte,
varrendo toda a vida pelo caminho…
AUSCULTA
Conectividade, mas artificial.
Vozes, sons, sinais.
Comunicação, mas interceptada.
A cada conquista tecnológica,
a cada antena instalada,
um fosso se cria entre antenados
e marginalizados,
todos nós, colonizados.
Celular ao ar.
POSSIBILIDADES
Os meus óculos formam o escudo
que me protege os olhos
enquanto capto a luz do seu olhar.
Sem eles,
só vejo bem de perto,
mas aí, eu me perco.
Pelo caminho?
Não, em seus olhos…
NAVEMÃE
Do prédio do hospital até o estádio têm-se quinhentos metros. Do quarto 674, avisto a nave mãe. Centro de peregrinação, preces e emoção. Item alienígena na fé do cristão. Camisas de cores diferentes separam os seus tripulantes entre aqueles perdedores que pensam ser os vencedores e entre aqueles perdedores que se sentem os perdedores. De novo. Enquanto isso, flores da antiga árvore descem sobre o carro ferido. O ser aparentemente imóvel, mas vivo, joga a sua vingança colorida sobre aquele objeto móvel, que um dia já matou.
ORCAS
Orquídeas florescem displicentemente
no outono paulistano.
Logo dormirão.
Enquanto isso, dominam a nossa atenção.
Ou: por ser ideias de orcas fluorescentes,
decididamente lhe outorgam
ser um bom plano viver belamente.
Logo, dominarão a nossa imaginação.
*Textos e poemas de antes de 2010, que seriam postados no meu blogue que apenas foi inaugurado em 2017.
Participam do BEDA: Lunna Guedes / Suzana Martins / Roseli Pedroso / Darlene Regina / Mariana Gouveia
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