
Em um acidente tão prosaico quanto difícil de explicar, prendi os dedos da minha mão esquerda na porta, exceto o polegar. Como o meu próprio corpo a impedisse de ser aberta, pois eu estava sendo pressionado contra uma estrutura, fiquei quase um minuto a sentir a pressão de oitenta quilos sobre as quatro falanges até que fossem liberadas. Felizmente, não quebrei nenhuma delas, mas perdi a sensibilidade na ponta do dedo anular. Espero que momentaneamente. Nada tão sério quanto a falta da mão esquerda de um companheiro de mergulho com o qual conversei à respeito da dor fantasma quando ganhei a sua admiração pela destreza em pegar jacaré nas ondas da praia onde estava.
Apesar de insensível ao toque mais delicado, essa ponta de dedo sente frio e calor. Não está roxa, sinal que apresenta circulação. Simplesmente, parece um território estrangeiro a ocupar um pedaço do outro – Base de Guantánamo em Cuba. O anular esquerdo não tem deixado de me ajudar nas tarefas. Agora mesmo, estou a utilizá-lo para escrever no computador, porém isso me fez pensar sobre como sistema sensorial desempenha a intermediação entre o nosso corpo e o mundo exterior.
Os sentidos oficialmente reconhecidos são cinco, alguns mais ou menos utilizados, a depender de cada um. Os olhos são os que mais se destacam na compreensão da realidade pela maior parte de nós. No entanto, pessoalmente acredito que a visão seja o mais enganador dos sensores para revelá-la. Por exemplo, o olhar pode vir a gerar uma paixão, mas será o tato a estabelecer a verdadeira interação entre os corpos dos apaixonados. Como se apregoa por aí, se não “rolar química”, não prosperará. O tato, em quem não enxerga, é outra forma de ver.
O que vemos nos comove de imediato, porém, será o cérebro a interpretar o que enxerga. O cérebro educado em uma determinada cultura, ideologia ou religião, transformará a visão de um corpo nu, por exemplo, em objeto de culto ou perversão, de poder ou queda, subjugação ou liberdade. Afora a avaliação de possíveis qualidades físicas padronizadas de fora para dentro. Os corpos fragmentados de Picasso causam fruição artística, as deformações físicas reais podem vir a causar repulsa ou compaixão. O ideal é que nos libertemos da visão como meio de revelação do sentido da vida.
Quando ao olfato, descobri a sua dimensão quando, em certa ocasião, estava passando por algum processo infeccioso, talvez no fígado. Fiquei com esse sentido bastante estimulado. Percebi como os cães e outros animais, além dos deficientes visuais, são eficientes em “enxergar” o que não veem. Ao dobrar uma esquina sabia que encontraria o vendedor de abacaxi logo adiante. Tinha consciência do momento exato em que minha mãe fazia café, em outra casa do lado da minha, separada por dezenas de metros, paredes e compartimentos. Após ter o meu problema solucionado, perdi esse superpoder, mas não me esqueço até hoje como era impressionante enxergar pelo nariz.
Os odores exercem um forte estímulo apreciado ou não, a depender de sua origem e força. Cada vez mais tentamos reproduzir cheiros naturais para simulá-los ou substituí-los. Até simulacros de feromônios, que no passado nos auxiliavam no processo reprodutivo, hoje é utilizado para ajudar na atração sexual. A sexualidade, cada vez mais valorizada, tem sido encarada como expressão da individualidade entre os humanos. Não apenas o olfato, mas todos os outros sentidos são propagandeados como intermediadores para estimular o consumo em torno dessa força primeva.
Assim como é poderosa a atração que exerce o cheiro da comida. Quase associado ao olfato, o paladar é um sentido em torno do qual a cultura do alimento ganhou espetacular complexidade por se tornar um dado cultural humano, além de ser a maneira que primordialmente usamos para repor energia para o funcionamento do nosso organismo. Organizamos verdadeiros eventos e templos para consumirmos alimentos líquidos e sólidos. Certamente, vivemos e morremos pela boca.
A audição detém uma tremenda importância nas relações humanas e de outras espécies animais. O som se propaga no meio físico em frequências e ondas e apresenta outras tantas características, que talvez transformasse em artigo científico uma simples pincelada sobre os sentidos. Reconhecido como fonte emanante de poder desde sempre, o Som, na Bíblia é apresentado como o próprio Deus – “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Não é à toa que muitos de nós, escritores, que lidamos com as palavras, carregamos certo complexo de grandeza por poder criar e destruir em seus textos.
Os Hindus acreditam que se conseguirmos nos conectar com o som primordial do Universo – OM ou AUM– alcançaremos sintonia com a frequência existencial sublime. De alguma forma, todos nós percebemos o quanto o som pode alterar o nosso humor. Isoladamente ou aliado ao verso – a Música – uma das criações artísticas mais importantes do Homem. A fala é a forma de comunicação mais direta e mais utilizada por nós. Porém, é comum ouvirmos apenas o que queremos e frequentemente interpretarmos de maneira discrepante o discurso da mesma fonte, ainda que seja na mesma língua.
Para terminar, faço alusão aos chamados sentidos extra-sensoriais, de acalorada discussão entre defensores e contrários. A ter como exclusiva a base científica experimental, do modo que a concebemos, eles são refutados. Contudo, ao longo da História humana são utilizados como justificativa para explicar razoavelmente certas apreensões da realidade, principalmente para uma grande parcela das pessoas. Eu, pessoalmente, acredito piamente no sexto sentido feminino. As mulheres costumam sentir-cheirar-ver-tocar-degustar de longe e previamente algumas situações…
Excelente, Obdulio! Excelente, menino escrevinhador.
Grande abraço, meu amigo.
Marineide, você por aqui? Graças! Abração!