Vivo que estou, tudo me inspira. Do amor à violência, tudo o que se manifesta como expressão humana me deita raízes e razões – a escrita como artifício e meio. No entanto, há temas que fico a respirar recorrentemente. Enquanto não consigo lhe revelar alguns dos mistérios – o que nem sempre o torna menos enigmático – volto a ele várias e várias vezes.
Os fenômenos naturais sempre me atraíram muito. Menino da cidade, antes de saber que havia o mar em mim, a partir dos oito anos de idade fui viver na Periferia, nos rincões quase rurais da Zona Norte do início dos anos 70. Esse afastamento do Centro, permitiu me relacionar com as questões climáticas para além do simples incômodo que pudessem provocar o frio ou o calor, a seca ou a estiagem. Na cidade vascularizada por riachos e rios, isso não deveria ser uma preocupação. No entanto, estando esses recursos encobertos por tampões ou cercados por muros e asfalto, sofremos com a escassez de água ou enchentes destruidoras. A chuva e o sol também são nossos aliados. Quando nos mudamos, não tínhamos água encanada. Ainda que possuíssemos um poço artesiano, usávamos a água da chuva para encher as tinas que colocávamos ao sol em cima da laje para esquentar para um banho morno, além de servirem para regar as plantas e lavar o quintal.

Percebíamos a influência das estações nas plantas. Tínhamos várias árvores frutíferas e sabíamos as épocas em que cada uma frutificava. Bananas, brotavam o ano inteiro. Mangas, goiabas e abacates, sazonalmente. Plantávamos milho, feijão e cana. No inverno, a geada no verde dos morros provocava um efeito de riqueza prateada aos primeiros raios de sol inclinado.

Sem a interferência de tantas luzes artificiais, no céu noturno, contemplava com reverência a majestosa grandiosidade do corpo alongado da Via Láctea a derramar o seu leite estelar. Durante o dia, as nuvens em céus de todos os tempos me encantavam, com as suas características particularmente volúveis, em formas e combinações. Os jogos de luz e sombra provocados pela dança retilínea do sol e esvoaçante dos corpos fluídicos costumava entreter o meu olhar em manhãs e tardes. Da mesma maneira, hoje deixo-me levar como a uma pipa ao sabor do vento. Crepúsculos e auroras são naturais símbolos de renovação.

Desde essa fase, iniciei mais profundamente o meu contato com os bichos, o que estimulou o desenvolvimento da minha empatia com os outros seres, ainda que não humanos. Fui criador de galinhas e patos. Sempre tive muitos cachorros, gatos e até uma porquinha já passeou como um animal de estimação – Priscila. Inteligente e vivaz, não me lembro de seu destino, muito novo que era. Ou procuro não lembrar. Fiquei dez anos sem comer carne…

As pessoas humanas formavam um grupo estranho para mim. Eu me identificava com os seus componentes em alguns aspectos, normalmente quando fugiam do padrão normal. Sempre fui amigo dos mais estranhos. Formávamos um grupo seleto. Estudantes tímidos, gostávamos de futebol, xadrez, dominó e música. Eu, particularmente, de História, Geografia e Literatura. E Cinema. Sonhava filmes. Sonhei Amarcord.

Das criações humanas – casas, edifícios, templos, máquinas, instrumentos de comunicação, veículos de transporte, móveis, apetrechos, utensílios, roupas e tudo mais – sempre me fascinaram os casulos, grandes e pequenos, que perdurarão ainda algum tempo depois que nós nos formos. São monumentos à nossa arrogância diante da Natureza. Em torno delas, as cidades se reproduzem e se espalham em ruas, avenidas, praças, estádios – tudo o que torna habitável a sua vaidade.

Inspirado por minha convivência com São Paulo, seus habitantes e (des)caminhos, participo do grande concerto – vida que segue sem rumo aparente. Não sei como sobrevivi. Quando brincava de Índio e Cowboy, eu sempre preferi ser o Índio…
6 On 6 / O Que Te Inspira?
Projeto com a participação de Lunna Guedes, Tatiana Kielberman, Mariana Gouveia, Obdúlio Nunes Ortega e Maria Vitória.
Tudo de uma certa forma me inspira e muito. O momento que o cerca é bem importante. Lindo projeto este. Abraços
Inspiração de nossa editora, Lunna Guedes.
Ah, moço! Eu sempre fui a índia!
Belo texto!