Esta cidade que se come, nesta manhã, reaparece em suas linhas retas-irregulares, em cinza-cimento, imersa em cinza-nebulosidade. Linda, de tão feia. Porque quem a ama, bonita lhe parece – distorção que todo amor gera, abrigado por suas praças sem cuidado.

Quando vejo São Paulo aparentemente desabitada, como nesta manhã-madrugada, sei que por trás de suas portas, paredes e janelas, o drama da vida se apresenta implacável e comovente… Amores acordaram abraçados… Traições foram postas à luz… Amizades passaram a noite insones apenas no bate-papo livre e sem rumo… O desejo de ser feliz pode ter encontrado guarida nos peitos e paixões nos corpos… Ou, tristemente, podem ter se perdido entre os desvãos dos prédios e das ruas sem saída da metrópole insana que desperta…

Tenho fome de asfalto, granito e aço. Eu não sei o que acontece, mas não são poucas as vezes que eu sinto uma tremenda vontade de abocanhar esta cidade. Degluti-la quase inteira, absorvê-la e vomitá-la, renovada e rediviva. Traduzida.

Por caminhos antigos, não percebo os escombros. Mas histórias passadas, que um dia foram protegidas por tetos, quartos e salas – lares e comércios – negócios de viver. Espaços contidos de expressão. Lembro as roupas, os comportamentos, adivinho os pensamentos – déjà-vu, atavismo ou alucinação.

Progressivamente, o sol se ergue por entre as colunas e lacunas. Durante o dia, pessoas de todas gerações e procedências se cruzarão por suas calçadas, dobrarão suas esquinas. Serão carregadas feito vírus por trens subterrâneos e vias elevadas, por ônibus e automóveis. Cumprem a magna determinação e enlevado desejo do monstro – querer ser maior e pior.

Seus personagens ressurgem anônimos e marcantes. Tento lê-los… A moça deselegante e amarfanhada, dona da lojinha de frutas, que arranja as prateleiras. O jovem forte e bonito, negro, que reabre o salão afro de cabelereiros e carrega uma camiseta em que se lê: “I ran like a slave. I walk like a king”. Na padaria, enquanto toma café, o operário com capacete de segurança, lê um livro técnico de engenharia. No trem, uma moça, entretida com um livro religioso, permanece em pé, apesar dos inúmeros bancos vazios.

São Paulo é meu carma.
Participam deste projeto: Cilene Mansini | Maria Vitoria | Mari de Castro | Lunna Guedes | Mariana Gouveia
Oi querido!
Adorei seu projeto! As fotos estão lindas!
Também amo SP e adoro ver gente lendo.
Também estou no projeto e linkei você la no blog 🙂
Bjs e até o mês que vem
Jã fui ao seu blogue e apreciei os seus passos, Claudia! Abração!
Hoje, eu sai cedo para caminhar com Jane (dog). Ela não gosta muito quando eu pego o guia… saio para andar e me perco dos caminhos e ela fica um pouco aflita. Falta de hábito. As rotinas eram outras. Enfim, a cada passo que damos, uma paisagem urbana-nova se precipita e eu vou descortinando essa Paulicéia de tantos Mários.
Adorei a sequencia, mas aquelas ruínas… ai ai ai
bacio
Pois, é, Lunna… Essas ruínas gritam de dor muda…
Vi meus olhos sob teus olhos, moço! Antes do evento caminhei por alguns ruas e abracei São Paulo em seu tamanho e carinho em meu coração.
Abraço
Que afortunada essa troca de olhares, Mariana! Conexões íntimas, apesar das distâncias.