Outros Carnavais*

Eu, com Romy, Verônica, Ingrid e Lívia – 1998

Entre os resgastes realizados por nós dos registros memoriais de imagens nos baús (caixas de sapatos) do passado, encontrei esta foto de 1998. A Ortega Luz & Som, nossa empresa familiar de locação e operação de equipamentos de sonorização e iluminação para eventos, participou de muitos bailes de Carnaval no Clube Guapira, do bairro de Jaçanã, juntamente com a Banda Nova Geração, quando o Carnaval de Salão ainda tinha alguma repercussão na cidade de São Paulo. Hoje, as melhores bandas da cidade são convidadas para realizar as suas apresentações no interior deste e de outros Estados, onde alcançam sucesso de público, tanto quanto acontecia naquela época por aqui.

Eram milhares de pessoas nas quatro noites e três matinês, estas últimas especialmente voltadas para as crianças. Sempre que havia oportunidade, as meninas da casa compareciam em pelo menos uma delas, o que parecia lhes trazer bastante alegria e, por elas, eu me alegrava. Por meu turno, já havia percebido que o Carnaval perdera o seu encanto de fantasia e poesia, ou talvez fosse eu que não alcançasse mais a minha criança dos tempos em que morava na Penha, perto da Vila Esperança, imortalizada em uma canção de Adoniran Barbosa, quando o Carnaval de Rua tinha uma enorme expressividade, colocando os assuntos mais prementes do ano sob a ótica da irreverência nos desfiles de pessoas comuns que, com imaginação e criatividade, nos mostravam a cara mais alegre do povo brasileiro. Adorava ver a aparente desordem em cortejo de roupas extravagantes e trejeitos exagerados dos componentes dos blocos, com as baterias tocando no compasso de meu coração acelerado. Esse período foi vivido na década de sessenta, quando houve a assunção dos militares ao poder e, mesmo assim, as críticas sociais persistiam e parece que os mandatários faziam vistas grossas para aquelas ousadias. Passadas três décadas, lá estava eu, reproduzido nos corpos de minhas filhas, Romy, Ingrid e Lívia, carregando o mesmo entusiasmo pueril, em confete e serpentina.

E porque falo sobre o Carnaval antes do Natal, tão mais próximo no calendário? Sempre cogitei que o Carnaval fosse muito mais autenticamente nosso que o Natal. Aliás, se fôssemos legítimos latinos, daríamos presentes no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, como é tradição nos países colonizados pelos espanhóis e portugueses e não no mês de São Nicolau. Voltando à foto, nela estão as minhas três filhas, mais a do Humberto, Verônica, vestindo a indefectível vestimenta de odalisca ou algo parecido, o que deveria conferir o aspecto de viagem para outra realidade, que é o que o Carnaval parece representar para quem vive a fantasia de viver outra personagem. Estão lindas, estão felizes ou estão lindas porque estão felizes. Se bem que nem tão contente parecia estar a “Licota“, que nos seus dois anos e poucos meses de idade, devia estar mais assustada do que qualquer outra coisa.

Em uma viagem de quase vinte anos à frente, para 2015, o Carnaval ocorrerá no mesmo mês daquela festa de 1998, em fevereiro, como é tradição. O Brasil terá desse modo transcorrido um período de dezessete anos, em que se trocou a história viva pelo esquecimento e o povo, a inocência pela culpa, a esperança pela descrença, a identidade com o Carnaval por uma identidade carnavalesca. Simplesmente dizer “como nunca antes neste País” nunca pareceu tão falso, já que o presente é resultado de nossas ações do passado e o futuro se faz hoje…

*Texto de 2014

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