
Escolher meu personagem favorito, entre todos que encontrei em minhas leituras poderia ser difícil, se já não tivessem me chamado, um dia, de Bentinho. Após a leitura de Dom Casmurro, uma pessoa proclamou que eu parecia demais o personagem criado por Machado de Assis. De qual fase? – Bentinho, Dr. Bento ou Dom Casmurro?…
Do mesmo Machado, também me encantei por Brás Cubas. Talvez devesse ser o meu escolhido. O irônico defunto-autor faz uma análise pertinente e necessária para o mundo no qual viveu-morreu, cabível até hoje para muitas coisas, principalmente quando lidamos com as ações humanas.
Ou até devesse escolher o próprio Machado de Assis, um personagem rico, principalmente por sua vida incrível e contradições. O futuro fundador da Academia Brasileira de Letras, mestiço, neto de escravos alforriados, estudou apenas os primeiros anos escolares e se instruiu por sua conta, posteriormente. Começou a trabalhar em uma tipografia aos 16 anos e um pouco mais tarde começou a publicar seus primeiros textos. Rapaz de má fama – seja lá o que isso significasse – casou com Dona Carolina Xavier, de origem portuguesa, à contragosto da família da moça. Ela foi fundamental no crescimento literário de Machado, o colocando em contato com a literatura europeia, mormente a portuguesa e a inglesa. O contato com sua companheira de quase toda a sua vida, o influenciou decisivamente em muitos aspectos, principalmente no criativo. Chegou a homenageá-la com Dona Carmo, personagem de Memorial de Aires. O seu passamento, o deixou bastante abalado. Não tiveram filhos. Talvez, os livros os substituíssem.
Por fim, decidi ficar com Bento, mesmo. Tenho certa tendência a me mortificar e ser comparado a esse personagem, um anti-herói, me apraz. Não me reconheço inteiramente nele – os parâmetros que utilizo são íntimos e impublicáveis – porém, é um personagem complexo. E, principalmente, teve Capitu em seus braços. Apaixonado pela moça com “olhos de ressaca” desde garoto (eu e ele), não me importaria em dividi-la com Escobar. Assim como suspeito que, contrariamente, ele não gostaria de dividir Escobar com Capitu e Sancha…
Como eu, Bento nasceu de um parto difícil e flertou (se bem que à força – ele, não eu) com a vida religiosa. Como ele, fui mimado amorosamente por minha mãe. Por sua influência, ainda que nossas condições econômicas não permitissem, comecei a trabalhar tarde. Ela tinha um espírito religioso, mas não ortodoxo. Abrangia várias crenças, em um amálgama religioso que herdei em termos gerais. Nunca fui e nunca serei um homem abastado, a não ser em amor. Aceitaria um filho que suspeitasse não ser meu, por amor. Ao contrário do personagem de Dom Casmurro. Ainda tendo algum tempo pela frente, não creio que venha a desenvolver a casmurrice que o notabilizou. Apesar de ser um tanto teimoso. Otimista, sou praticamente uma Pollyanna, a fazer o “jogo do contente”: tento sempre ver o melhor lado de cada acontecimento.
Minha imaginação grandiloquente eventualmente possa associar Bento a mim. Com ela e minha memória, um dia escreverei um livro-relato de uma vida toda. Os personagens serão apenas um – eu mesmo – multiplicado. Não seriam todos os personagens somente reflexos do autor, ainda que a quem ele venha se referir realmente tenham existido? É provável que não conseguisse escapar ao meu centro umbilical. Olha, mais uma aparência com Bento – egocentrismo a toda prova…
Participam: Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari
Esta postagem faz parte da blogagem coletiva, com participação de
Claudia Leonardi | Fernanda | Lunna | Maria Vitória
Gosto de Bento, a bem da verdade gosto mais do que Machado fez de Bento e acho incrível como ninguém se pergunta que inspirou Machado, todos se ocupam da menos feminina das mulheres. Capitu para mim sempre foi o olhar do homem para nós, por nós. E lhe confesso que não me agrada. Mas, Bento, ele me instiga por tudo que é. Mas nunca me ocorreu questionar, por exemplo, o quanto há de Machado nele. Deve haver algo, porque ele o criou, o fez. É seu Senhor. Mas fico a imaginar o olhar do autor a passear por uma figura em movimento pelas ruas de sua cidade. Ele sentado em uma mesa a bebericar um líquido qualquer e a tragar desse Ser, tão destruído, que ele se sentiu a vontade para dar vida a um corpo já desfeito.
Ok, viajei. Mas amo esse personagem. Embora a história em si, não seja a minha preferida e posso dizer isso depois de três ou quatro leituras em tempos distintos.
bacio
Lunna, li várias vezes Dom Casmurro, mas já faz muito tempo. De certa forma, é como se quisesse preservar o gosto primordial e prazeroso que senti ao ler Machado de Assis. Meu amor resistiria a uma leitura atual? Quanto a Capitu, ela é discutida até hoje, a ponto de intitular o filme em a figura de Bento, acima,
Continuando… da qual faz parte a figura acima… Ainda não sendo uma personagem da mulher, pela mulher.
Sempre quis saber o que se passava em Capitu. Gostei primeiro dela e inventei mil coisas sobre Capitu pq acredito no que a Lunna disse, ela é o olhar dum homem…então, como seria a Capitu se ela mesma houvesse escrito toda a história? Gosto dos olhos dela e de como podem arrastar tudo pra dentro. Bentinho falava dele mesmo ser arrastado e por consequência todas as outras coisas. Falava disso como se Capitu tivesse esse poder sobre tudo. Eu prefiro achar que Capitu captava tudo…que dava conta das coisas ao redor. Capitu tem essa intensidade pra mim…
Belíssimo texto, aliás. Arrastou que nem os olhos de Capitu…
Agradeço seu olhar, Moça!