Ontem, eu passei pelo Centrão e o meu olhar encontrava a chocante disparidade entre aquele conheci e o que presenciamos hoje — degradado — apesar de haver várias construções sendo restauradas, além de novos empreendimentos na Avenida Rio Branco. O velho cruzamento da Ipiranga com a São João, nem chega perto da outrora movimentação que inspirou Caetano a compor Sampa. Alguma coisa aconteceu no meu coração: a melancolia de ver essa icônica parte da cidade com grandes construções esvaziadas e pessoas jogadas pelas calçadas em condições precárias de subsistência. Ainda mais com a política de limpeza visual das barracas onde ficavam durante o dia, já que durante a noite o vazio toma conta do asfalto e corações.
Por trás desses tapumes, mato e restos de entulhos de parte do que foi o antigo prédio que foi habitação de despossuídos depois de ter sido Sede da Polícia Federal em São Paulo por 33 anos. O Edifício Wilton Paes de Almeida, localizado na Rua Antônio Godoy, foi desocupado em 2003. Gradativamente, através de movimentos de sem-tetos, sem condições adequadas, o prédio foi transformado em uma grande armadilha. Desabou, depois de um incêndio, em 1º de Maio de 2018. A Igreja Evangélica Luterana de São Paulo — de 1908 —, a edificação ao lado, atualmente reconstruído, também sofreu, bem como um edifício próximo, além de dois do outro lado da rua. Representou, de forma contundente, o quanto a política de ocupação da cidade é disparatada em relação à realidade. Nessa região, o potencial de moradia de qualidade é enorme, próxima de muitos serviços bem estruturados. Falta um programa que envolve vontade política para ser implementado.
Só em outra realidade bem interiorana que não São Paulo, a parte traseira de uma igreja é um local mais calmo. Principalmente se essa igreja for a Catedral da Sé, em frente da qual a cidade tem o seu Marco Zero. Bem próximo dali, os Jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta construíram uma casa que deveria se tornar o colégio onde pretendiam catequizar os gentios dos Campos de Piratininga comandados pelo Cacique Tibiriçá. Ocorreu em 1554.
Em primeiro plano, esse tronco da centenária Figueira-Brava já há muito tempo dava sombra e descanso para os viajantes que transportavam cargas e mercadorias. Lá, podiam encontrar água para se refrescarem, assim como matar a sede dos animais — cavalos e burrros-de-carga. Mais adiante, podemos ver o Obelisco de Piques, de 1814, o mais antigo monumento de São Paulo, localizada no conjunto que chamamos de Ladeira da Memória, que desce em direção à Praça da Bandeira. É considerado um símbolo e referência do processo de urbanização da cidade.
Subindo a Avenida da Consolação, em direção a uma parte mais alta do relevo no qual se assenta a Avenida Paulista, encontramos a necrópole conhecida como Cemitério da Consolação, fundado em 1858. O então Cemitério Municipal foi criado com o objetivo de garantir a salubridade e evitar epidemias. Era uma tentativa de alterar o hábito de sepultar os corpos dos mortos em torno das igrejas. A aristocracia formada pelos cafeicultores transformou o local em um templo de ostentação da burguesia paulista. A arte tumular que lá se encontra é exemplar em termos artísticos, pois vários escultores de renome foram contratados para executarem trabalhos rebuscados. Há outros mais simples em temáticas, assim como há vários nos que poderíamos passar o dia todo para dissecarmos suas referências.
Em vários pontos de São Paulo encontramos enormes e velhas chaminés que eu adorava desenhar quando garoto, expelindo a “feia fumaça que sobe, apagando as estrelas”. Representam a antiga vocação industrial da cidade que, atualmente, é predominantemente ocupada por empresas prestadoras de serviço e comércio. Muitas de suas espaçosas instalações são transformadas em centros de compras ou eventos, quando não vem abaixo para o ocupação de condomínios residenciais. A transformação constante de “campos e espaços” é a característica principal deste ser vivo devorador de memórias e referências pessoais. É como se nos avisasse desde cedo: “não se apegue!”.
E chegamos ao “X” da questão: para onde vamos como cidade? Mal nos acostumamos com um “centro econômico”, surge um outro em um rincão distante do município que se expande para cima e para os lados. Estabelece critérios tão aleatórios quanto injustificáveis, a não ser na mente de engenheiros do caos que creem e incentivam esse processo como parte intrínseca da voragem que devemos continuar a viver — sem freio e sem fim — para o bem do invisível e poderoso Sr. Mercado. Ao mesmo tempo, há movimentos humanistas que tentam transformar este recanto de dor e frieza em campo de criação de novas estruturas. A vocação cultural é algo inegável. Para quem quer e tem tempo, as possibilidades de desenvolvimento nesse campo, encontrará programações sem custo. Esse dinamismo pode ser a saída para o imbróglio que é vivermos numa cidade cortada por rios mortos e ar poluído, buscando conscientemente saídas simples e eficazes para nos tornarmos cidadãos de uma cidade melhor.
Participam: Alê Helga / Mariana Gouveia / Lucas Armelim / Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Cláudia Leonardi / Suzana Martins / Dose de Poesia / Danielle SV
Eu admito que me perdi na sua paisagem urbana. Me localizei na Sé e na ponte estaiada e voltei a me perder. Reconheci a imagem a vigiar o túmulo na necrópole, onde a arquitetura (se é que posso usar essa palavra para nesse cenário) é tão caótica e mórbida quanto em muitos cantos urbanos…
A imagem da arte tumular eu coloquei tanto pela escultura quanto peço cenário de fundo, um pouco esmaecida, mas que mostra uma agência dos Correios e outros detalhes da vida urbana dos vivos.
Eu poderia ter feito as minhas postagens sobre São Paulo. Fui guiada pelas ruas daí pela minha bambina. Tenho fotos lindas daí.
Como tudo muda, talvez não fosse tão seguro, a depender do lugar, registrar imagens da cidade, Mariana… Por questão de segurança. Triste, não?
eu tive uma guia cuidadosa comigo e tenho fotos lindas daí.
Abraço e Feliz Páscoa!
Quanto mais observo esse caos que é nossa cidade, mais apaixonada fico por ela. Quantas belezas em meio a tanta degradação material e humana e mesmo assim, não desisto dela.
Eu tenho um álbum no Facebook chamado “Quem Ama O Feio, Bonito Lhe Parece” que versa sobre a cidade em todas as suas versões. E utilizo, com frequência a hashtag #viveremorreremsp. Como se vê, estamos juntos.
Esse contraste entre feio e bonito é que torna a cidade especial, única!
Você é um super guia! Além de fisgada pelas igrejas, confesso que houve uma época em que visitava os cemitérios. Do caos ao lirismo, seu olhar carrega vidas que pulsam!
Que passeio delicioso. A Sé é linda de todos os ângulos, né?! Seu olhar por essa cidade tão arquitetônica é um presente pra nós!! Amei caminhar com vc!!